A bailarina da corda bamba , por Raquel Fontão

E eu, aterrada e indisposta ao mesmo tempo, por aquela menina bailarina, ali, a quase uns dez metros de altura, saltar e fazer malabarismos com um entendimento despreocupado.

Sem qualquer rede que a suportasse cá em baixo.

A plateia, numa alegria dispendiosa. Uma alcateia de tigres, ou de pessoas com rosto de tigres, a aplaudirem e a rosnarem, a esperarem o inevitável.

Como num sonho.

A prancha que liga a corda ao outro extremo, uma prancha de piratas à espera do salto final.

O salto mortal.

E eu numa agonia só por te ver a ti, menina, a dançar nessa corda bamba imaginária.

Qual corda, dirias tu.

A corda que dança sobre o abismo.

Era isso que sentia, o coração na boca, o estômago nos pés numa vertigem enlouquecida.

Estavas a dançar sobre o limbo da tua vida. E não tinhas medo. Tu própria, bailarina de um circo surreal. Não demonstravas qualquer receio, mesmo quando se ouvia um rosnar mais audível vindo do público. A esperança vã de te ver cair.

Um rosnar em grupo. À espera.

Fui vomitar, as vertigens a explodirem-me na alma incrédula.

No final da tua actuação, abriste as tuas asas de mariposa da noite e voaste sobre as nossas cabeças.

 

Raquel Fontão

Raquel Fontão

Deixe um comentário